Baseado (acredite se quiser) em fatos reais.
Novamente meia
noite. Como as horas podiam passar tão devagar?
Mais uma noite
e o sono não vinha. Nos primeiros dias, apenas passava o dia morrendo de sono e
ao anoitecer o sono desaparecia como que invocado por algum ser místico ao seu
redor. Tanto embora após as 23 e tantas conseguisse novamente dormir, conforme
os dias foram se passando cada vez ficava mais difícil repousar, as horas eram
mais exaustivas e de nenhuma forma sonolentas, apenas perduravam em longa exaustão
de pensamentos e aflições. Via sinais de que algo estava errado, no começo
achara que eram as horas de stress no trabalho que lhe tiravam o sono, mas
mesmo em dias comuns de trabalho rentável e proveitoso a noite se estendia
pensamentos adentro, sem lhe dar o prazer de um sonho sequer, sua mente
vagueava, e por isso não estranhou os primeiros sinais. Acreditava terem sido
efeito de uma mente cansada e com sono subconsciente, talvez estivesse
sonhando... Pensava, ainda assim, os dias de trabalho proveitoso foram
diminuindo à medida que as noites iam ficando mais compridas e exaustivas,
realmente algo não estava certo e os sinais se intensificavam, começou a sentir
medo de sua própria imaginação, mas quando na noite em que quase conseguira
dormir, alguém, misteriosamente de dentro de seu quarto a acordou gritando seu
nome. Kendra percebeu que não poderia ser só sua imaginação.
No primeiro
momento avistou a fresta por baixo da porta de seu quarto para verificar, sua
irmã poderia estar na sala e tê-la chamado, mas ao constatar que não havia luz,
que a sala estava apagada e mesmo a TV da sala já 'dormia' há muito tempo, ela
saíra correndo porta a fora de seu quarto, pois tinha certeza, alguém a havia
chamado! Como isso era possível? Quem estava lá dentro com ela?? Em questão de
segundos meditou as respostas a essas perguntas e antes que chegasse a uma
conclusão verdadeira já estava batendo a porta de sua mãe para se aconchegar a
ela e dormir, protegida do que quer que fosse.
No outo dia
pensaria melhor no assunto.
Depois, nas
outras noites acontecia o básico, já tão comum que só poderia ser fruto de sua
imaginação, replicando tantos e tantos clichês de filmes de terror que ate
então nunca temera.
O básico se
consistia em sons vindos dos moveis o que era totalmente plausível, ela
pensava, isso já foi explicado no ‘Mundo de Beakman’... “A temperatura a noite
muda fazendo com que os objetos e moveis dilatem”, meditava deitada em sua cama
esperando o sono vir... Está explicado não devo imaginar o pior, afinal se ela
imaginasse o que mais poderia ser? Um fantasma rangedor? Isso não era
assustador, pelo menos não deveria ser. Não, sem chance, moveis rangendo só
após que ela se deitasse eram completamente normais e básicos, para uma boa
noite de sono.
Pequenos
ruídos como arranhões já não eram tão comuns, não são, pensava ela, mas vejamos
uma boa explicação, eram mais raros poderia ter sua mente inventado, afinal
estava um pouco assustada não é mesmo?
E arranhões em
sua janela eram definitivamente normais! Que bandido ficaria arranhando sua
veneziana? Possuía gatos que dormiam em sua garagem, e que gostavam de ficar
sob sua janela... Sim com certeza, pensava, é a minha gatinha querendo ficar
perto de mim essa noite, mas não abria a janela, afinal não queria acordar
antes da hora na manha seguinte, por causa de sua gatinha manhosa. Melhor
deixar a janela bem fechada essa noite também, pensava, mais por volta da meia
noite, as coisas esquentavam... Literalmente, e ela lutava com a vontade de
sair debaixo das cobertas novamente. O que também era básico, se descobrir e
começar a sentir na ponta do seu dedão do pé um leve toque, ou uma sensação de
que a qualquer momento alguém fosse agarra-los e puxa-los para o fim mais
profundo do mundo... Realmente era normal, ela pensava, um leve toque no meu
pé, só pode ser uma pressão psicológica, que eu mesma impus, refletia, que tipo
de monstro teria interesse nos meus pés? Mas a aflição era grande e sentir que
havia alguém olhando para seus pés nus não era nada agradável... Melhor me
cobrir nas cobertas essa noite de novo, falava pra si mesma.
E seguia a
espera do sono, descobrindo e cobrindo os pés, até que não só os sentia sendo
observados e tocados... Mas pressionados contra o colchão, o que também julgava
plenamente normal! O sono está chegando, eba! Fingia pra si mesma, meu corpo
parece estar ficando pesado só pode ser sono! Ela seguia pensando. E por mais
que esse tal sono chegasse ela não adormecia. O que ainda era bem básico para
uma noite comum, a meia noite e meia formas começavam a se projetar por todo o
quarto, o que por sua vez também era completamente compreensível afinal a visão
deveria estar ficando turva, apesar de ela conseguir enxergar claramente seu
guarda roupas sua estante de livros e sua escrivaninha, as formas só podiam ser
sinal de que não estava enxergando bem! Mesmo assim, preferia evitar olhar para
as formas que não projetavam figuras nada agradáveis.
Com certeza
não podia justifica-las como espíritos de luz, espíritos deste tipo não se
apresentariam a esta hora e de formas tão grotescas, realmente, só podia estar
com a visão turva! E no fundo seu subconsciente deveria ser só um pouco
perturbado por todos os filmes de terror que já vira... Era plausível ignorar
as figuras também.
Colocara
estrelinhas para acenderem no teto à luz apagada, mas as estrelas após um tempo
ao invés de divertirem a visão noturna só a tornavam mais mística e sobrenatural,
e o ambiente se tornava claro demais dado momento da noite quando na verdade ela
sabia que as estrelas já deveriam estar esmaecendo e apagando. Elas ficavam
mais vivas e acesas quando menos queria. O que fazia com que as formas ficassem
mais visíveis e abomináveis. Realmente, pensava solitária, tomar remédios para
dormir não seria uma má ideia, afinal ela precisava dormir bem para trabalhar,
não é verdade? E seguia ignorando as formas... Uma delas ela acolheu, de certo
modo, como sendo um personagem de um sonho que teve na infância, só podia ser
ele, como que um amigo imaginário, ele era o que ela esperava manter como amigo
inofensivo e imaginário, talvez isso lhe tirasse o medo da tal figura, um ser
alto que ficava ante sua porta. Sabia quando ele estava lá. Pois se sentia
observa e seu senso lhe indicava a direção dele, mas ele não é real claro,
pensava, afinal se sempre a mesma figura se projeta era devido a intensidade da
luz sobre os mesmos objetos, só podia ser!
E noite após
noite ele aparecia, se assustou abismalmente quando o viu a primeira vez, olhou
para a fresta por baixo de sua porta para ver se alguém estava na sala, caso
ela precisasse de socorro (sabe como é) e ao olhar se deparou com o que parecia
ser a sombra de dois pés, parados a frente de sua porta, sem ter para onde
correr rapidamente pegou seu celular e clareou com medo e coragem ao mesmo
tempo, e viu que uma das sombras sob a porta, era na verdade o peso que
colocava na porta para mantê-la bem fechada (deixa-la sem o peso escorado,
fazia que a porta batesse sozinha no meio da madrugada acordando-a), então ao
baixar a luz novamente viu que a outra sombra, que aparentava ser o segundo pé,
já não estava mais lá, não se podia ver a figura em pé ante sua porta, apenas a
sombra do peso de um dos lados.
Quando viu a
sombra dos dois pés novamente sob a porta e o contorno de sombra que ele
formava sobre a figura talhada na madeira velha de sua porta deduziu que só
poderia ser fruto do seu sono aprisionado, e que se acendesse a luz novamente
veria algum outro objeto que formasse o segundo pé da figura, então para não
mais temer e ter de acender a luz (o interruptor ficava ao lado da porta) toda
vez, Kendra o imaginava como um tipo de guardião, que a observava na espera de tê-la
apenas como amiga e não como aquelas coisas horríveis que se vê em filmes. Não
sabia ao certo se devia imaginar mesmo essa 'amizade' para perder o medo, ou se
estava finalmente ficando louca por falta de sono.
Podia ter
certeza que tudo o mais que começava a acontecer com ela só podia ser consequência
de sua loucura eminente! Tudo era justificável! Pensou em rezar mais antes de
tentar dormir, quando ao pensar nisso sob as cobertas tentou se lembrar de
quando fora a ultima vez que rezara para dormir... Rezava sim todos os dias ao
acordar, para almoçar, mas... Para dormir? Pensou, fazia tempo que não o fazia
e não sabia dizer exatamente o porquê, pois bem, pensou ela, vamos rezar, ordenou
a si mesma. Começou a oração padrão, que para ela continha tudo que ela
precisava dizer e pedir, mas logo depois que à começou por uma fração de
segundos achou que algo aconteceu, alguma coisa, alguma coisa havia acontecido
porque dentro dela tudo se contorcia, e os sons "normais" ao seu
redor se intensificavam e as imagens, ela fechou os olhos, as imagens não eram
mais problema, mas a pressão sobre seu corpo aumentou, não entendia o porquê e
ao mesmo tempo entendia até demais, ela sabia que tinha que terminar a oração,
mas não sabia se aguentaria até lá, ao parar para pensar, calou por alguns
segundos, e ao seu redor tudo cessou magicamente, bastava que não rezasse que
nada de mal lhe ocorreria, isto realmente não podia estar certo, pensou se
aquilo era a tal ‘opressão’ que já ouvira falar... Não, não, nada haver...
Uma grande
amiga, na duvida, lhe arranjou um pouco de água exorcizada para que passasse
por seu quarto, no inicio ficou assustada com a ideia, mas aceitou o pequeno
frasco, tinha medo de passar nas paredes e vê-las urrando de dor, mas isso,
pensou, era uma visão pueril de sua mente perturbada. Naquele dia achou melhor
ir dormir logo e deixar a água para refletir sobre o que fazer com a água mais
tarde.
A semana se
transcorreu sem que usasse a água, mas a aflição era grande e sempre que
tentava rezar não conseguia concluir sua oração o quadro piorava a cada dia,
porem no momento em que menos teve medo, num momento qualquer de um dia
qualquer, semanas depois de ganhar o frasco, ela resolveu usa-lo. Usa-lo em
pleno estado de alegria seria bastante seguro, só podia ser, ao toca-lo não
sentiu nada demais, e se reconfortou com a ideia de que o problema não estava
nela, talvez... Meditou um pouco, mas, contudo abriu o frasco, já tinha feito
isso no dia em que ganhou o mesmo, mas naquele dia a tampa era branca por fora
como também por dentro, no momento porem em que novamente o abria, a tampa por
dentro estava estranhamente perdendo sua cor, a tampa do frasco estava se
avermelhando, uma mancha vermelha crescia internamente daquela tampinha branca
e incrivelmente isso era gradativo, as margens da mancha eram rosa, e ia se
avermelhando até o centro que já se parecia manchado de sangue. O tampou
novamente no instante em que viu e decidiu ir ajudar alguém em sua casa a fazer
qualquer outra coisa do que ficar ali e pensar no fato.
Outras semanas
mais tarde, novamente alegre e esquecida de seus medos noturnos, numa tarde de
um sábado qualquer ela novamente abriu o frasco decidida a usa-lo ou a joga-lo
fora, seu senso de organização lhe indicava que algo precisava ser feito
urgentemente sobre o frasco inutilmente parado e que atrapalhava a decoração de
sua penteadeira. Já era hora, pensou, e não só abriu o frasco e detectou a
mancha vermelha como também aspergiu seu conteúdo sobre as paredes de seu
quarto, que para seu espanto não rugiram de dor, mas simplesmente ficaram lá imóveis
indicando o quanto já havia enlouquecido. Naquela noite ela iria dormir melhor,
a agua não fizera mal algum, tampouco bem (quem sabe?), mas fizeram com que ela
constatasse que seu medo realmente era ficcioso.
Hoje esperava
que as coisas "básicas" acontecessem, mas também sabia que mesmo que ocorresse,
o principal era que não sentiria medo, afinal ela sempre soube, e sempre se
disse “não precisa ter medo!” só faltava pôr isto em prática.
Apagou a luz
do quarto memorizando bem o caminho a traçar até sua cama para se deitar e se
cobrir como de costume, mas não se cobrir por medo, se cobrir para ficar em sua
posição predileta na hora de dormir, tentava favorecer de todas as formas possíveis
o sono para que ele viesse, finalmente rápido e certeiro.
Ao apagar a
luz e se deitar olhou ao redor, não havia figuras, mesmo com a forte claridade
vinda das estrelinhas florescentes no teto, não havia forma de sombra alguma,
somente estrelas. Olhou sua janela preta a esquerda que não fazia som de arranhão
algum, e olhou a porta de seu quarto à direita, a qual não tinha forma de ninguém
de sentinela a sua frente, e olhou para frente da cama onde sua escrivaninha e
livreiro estavam imóveis e apenas estacados como deveriam estar, sem sinal
algum de ranger de madeira, seu guarda roupas também a sua direita da mesma
forma amigavelmente silenciava e tudo dormia. Exceto Kendra.
O silencio
torturante da noite, os moveis completamente parados, e a loucura das horas
congeladas começaram a causar nela uma louca e eminente onda de pânico, algo
estava errado. Algo estava muito errado, como quando todos à mesa silenciam
para o seu líder falar, algo estava vindo. Algo pior iria acontecer, era já
tarde da noite duas e meia da manha, e tudo o que mais temia além de todo o
ocorrido até então, era ficar mais uma vez acordada até as três da manha, era
tudo que ela não planejara para aquela noite, simplesmente precisava dormir,
precisava!
Antes que algo
terrível acontecesse, antes que chegasse.
E no mesmo
instante em que ela pensou este pedido, como que invocada por ela uma tensão
terrível se espalhou pelo quarto, algo que ela até então nunca sentira, uma
tensão que fazia seus ouvidos zunirem e seu coração bater em sua garganta, seus
olhos estavam apertados, se colocava novamente com a cabeça escondida por baixo
das cobertas, seu coração batia mais que nunca e ela já não ouvida
absolutamente mais nada do lado de fora de seu escudo, nem mesmo os carros que
passavam a rua perto de sua casa, ela já não escutava o tic-tac do relógio da
cozinha que sempre se podia ouvir com os ouvidos muito bem aguçados, naquela
noite e naquele momento já não se ouvia, desaparecera e por mais que tentasse
parar de respirar para escutar melhor, não se ouvia absolutamente nada!
Tentou
lentamente descobrir os olhos, lentamente muito lentamente, ao que uma voz
sussurrou seu nome ao pé de seu ouvido recém descoberto! Não enxergava nada,
estava cega em seu próprio quarto queria correr, e tentou correr, e escancarar
a porta para fugir, mas a mesma estava trancada, gritou, tentou acender a luz,
mas o interruptor desaparecera, e no mesmo instante em que se virou, viu
assustadoramente uma forma iluminada se formar em seu teto, como que sugando as
luzes que vinham das estrelas ao redor formando letras, que ameaçadoramente a
diziam "MORTA" e em seguida apagavam e ressurgiam "QUERO VOCÊ MORTA".
Era fantasmagórico! Ela se abaixou e abraçou os seus joelhos sentada no chão encostada
próxima de sua porta, ao que uma sombra ao seu lado deu um passo! Seu sentinela
negro, saiu de sua posição original!
Algo muito
estranho acontecia e ainda de olhos semicerrados só podia vislumbrar flashes de
clarões e escuridão que espocavam, e reluziam e se chocavam de forma ameaçadora
sem sequer atingi-la. Kendra que já não queria ver nada chorava e gritava, ao
que algo a puxou, pelos seus tornozelos fazendo com que batesse fortemente a
cabeça na porta, o que a puxava a arrastava para de baixo de sua própria cama,
e ela ainda gritando tentava arranhar o chão para se segurar! Gritava mas sua
voz já não saía como nas vezes em que tentara rezar o pai nosso.
Seu corpo já
estava pela metade debaixo na cama, e algo molhado e fétido grudava em suas
pernas, ela se batia desesperada, quando uma luz ricocheteou e explodiu ao
bater em umas das paredes, a figura negra se virou agarrou um dos seus pulsos,
e a puxou com tamanha força que seu braço parecia que iria ser arrancado! E ela
saiu, voltando aonde estivera antes sentada, passou a mão em suas pernas
enquanto tentava gritar, e já não havia mais nada grudento nelas, a sombra a
cobriu, e de repente um sono descomunal a envolveu, tudo ficou escuro e
profundo, apagou, e ela se levantou de sua cama assustada na manha de domingo.
Saltou da cama
correndo, não era sonho, afinal, depois que a sombra a tocou sequer teve um único
sonho, dormiu e não sonhou, sabia que não tinha sonhado.
Num canto na parede
em frente à sua cama, Kendra viu uma marca negra como se alguém tivesse soltado
algum tipo de bomba que manchou sua parede branca à pólvora, aproximou a mão
tentando tocar, por um segundo, e desistiu, não adiantava mais verificar se as
coisas eram reais ou não. Chega! Pensou Kendra olhando com carinho para o peso
na frente de sua porta, saindo porta a fora do quarto, ciente de que nunca mais
voltaria a dormir nele.